Instinto

chien

 

Contribuição de Rafael Gaudenzi:

“…O instinto conduz esse cão, mas não sabemos o quê ou quem conduz o instinto…” Frase colhida do livro Jangada de Pedra de José Saramago, obra que comunica-se com Aletria e Hermenêutica de Guimarães Rosa. Para desembaraça-la clique aqui.

Topos (1)

som da terra 3

 

 

Dois topos de morro. À direita, Sonic Pavillion, de Doug Atkin (2009). Um prédio cilíndrico que ofereceria a melhor vista do parque se o revestimento dos vidros não estivesse ali exatamente para impedi-la. É esse o efeito: quando se chega perto aquilo se torna opaco, e a paisagem some. Ao entrarmos ouvimos recomendações: preconiza-se silêncio absoluto. Somos avisados de que há, no interior, uma rampa de madeira potencialmente barulhenta. Pede-se que se evite caminhar sobre ela, mas que fiquemos à vontade para nos sentarmos ou deitarmos sobre ela. Lá dentro, a tal rampa, a sala, no mais vazia, construída em torno de um buraco. Esse buraco, de uns 50cm de diâmetro, tem como borda um anel de metal, letrado, que nos informa sua profundidade: 220m. Do que se trata: microfones sensibilíssimos localizados no fundo do poço captam o som da terra. Sofisticados sistemas de amplificação e caixas de som high-end fazem o resto do trabalho. É necessário silêncio para se ouvir, das profundezas, o som da terra.

Escuto aí a promessa de se recuperar da Terra a experiência autêntica, no sentido da Erfahung de ‘Experiência e Pobreza’. Ainda: a tentativa de suturar aquilo que Lacan aponta como a letra fazendo “furo no saber”: aqui o positivismo se aproxima do religioso. De fato, à borda do furo na Terra corresponde outra, em clarabóia, que se abre para os céus.

 

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Topos (2)

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Dois topos de morro. À esquerda, Beam Drop Inhotim, de Chris Burden (2008). Ao ar livre, surge uma gigantesca escultura formada por estacas de ferro, sobras da indústria de construção pesada, de mais de 10m de altura cada, lançadas em queda livre de uma grua sobre uma piscina de concreto ainda mole. Na medida em que o cimento secava a escultura se consolidava. O que se obteve foi algo da ordem da variação. Elas se aproximam, às vezes se tocam, mas mantém sua unidade de espécie, ao mesmo tempo que, cada uma, sua singularidade. De fato: nenhuma estaca é igual à outra, seja pela forma, pela massa, pela localização relativa às outras, pelo ângulo em que se acomodou em sua sepultura de concreto. A pintura grosseira dos tratamentos anticorrosivos (e às vezes a própria ferrugem, que surge impotente frente a quantidade do ferro e a qualidade do antídoto) constitui a paleta de cores. Em todo o parque, é a obra menos vigiada. Raramente se vê os monitores – me refiro a pessoas –  em seu entorno. Não tem prédio. Não tem corda. É livre a circulação por dentro da escultura. Pode-se até percuti-las, golpeando forte com os punhos, com os pés. O som produzido reverbera por todo o vale, que se avista em paisagem descortinada.

 

beam2

 

Encore

beehive

 

 

“Presa ao rochedo

sujeita aos ventos

e aos pássaros.

 

Amanhece.”

 

 

Quase que escondido, um caminho de terra parte de Beam Drop para uma pequena elevação morro acima. O único caminho não pavimentado do parque. Súbito surge, do mesmo Chris Burden, Beehive Bunker (2006). Trata-se de uma construção circular feita com sacos de cimento Mauá, daqueles que se compra em qualquer loja de material de construção. Os sacos, fechados, formam uma casa de pedra que só tem janelas. A porta seria a boca-de-lobo colocada no topo? De toda forma, inacessível. Mas: o nada que há dentro da casa é apenas para ser visto. E o que se vê? Na realidade, todo o exterior, a começar do cimento, cada vez mais pedra, na medida mesma das intempéries, a decomposição das embalagens de plástico que deixam ver cada vez mais em fragmentos a ação das letras, e, depois, toda a paisagem, hominizada, que a circunda.

SULCOS

sulcos

 

 

Recebi na semana passada correspondência de um amigo médico, enviando um trabalho que ele fez para a cadeira de métodos de pesquisa do doutorado. Um belo texto. Com ela, o retorno de um velho e caro tema. Recebemos essa contribuição na segunda seção da Escola, Sessão de Psicanálise Aplicada. Aqui, a carta e a resposta.

Relance

 

 

 

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Ein Glanz auf der nase. O ‘certo brilho no nariz’ a partir do que Freud vai escutar a glance to the nose. O brilho indeterminado que o sujeito emprestava para o nariz que quisesse, e que funcionava tal qual a roupa nova do rei, invisível para quem não era rei. Freud encontrou na língua materna a determinação. Não era o brilho, mas o nariz o fetiche. Não um nariz qualquer, mas um nariz efetivamente olhado. Não um olhar qualquer, nem mesmo uma olhadela. Aí a determinação lingüística não deixa dúvidas: a glance, ou seja, um olhar de relance. O nariz onde resvalou o olhar. Por um tempo suficientemente curto para que o sujeito possa alegar não ter olhado direito, e portanto não saber bem do que se trata.

Mas o nariz também mente. É mesmo dele que se trata? De todo modo, a excitação provocada pela mentira reiterada faz o nariz ficar cada vez maior.

Psicanálise e Sociedade. Esse trabalho, em encontros semanais, completa nove meses, tempo em que viemos sustentando a visada, iniciada num relance, de que ‘sociedade’ e ‘sociedade de psicanálise’ são uma única e mesma coisa. Questão de método: conhecemos a primeira estudando a segunda. Do que se trata? Da formação do analista. Metemos nosso nariz onde somos chamados.

Então, compartilhamos. Três frutos desse trabalho: a retradução do “Ato de Fundação” escrito por Lacan em 1964; uma entrevista com um dos pioneiros da psicanálise no Brasil, o Dr. josé Cândido Bastos; e os registros do que foi produzido a partir de encontros anteriores neste blog aqui.

Entrevista

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A partir de Psicanálise e Sociedade, uma entrevista com um dos primeiros analistas formados por uma das primeiras instituições de psicanálise criadas no Brasil. Um determinado fragmento da história da formação dada em psicanálise: no Brasil, na América Latina, no século XX.